O Aborto
Aborto – O Manifesto das ...?
Há 45 anos, em 05 de abril de 1971, era publicado na França o “Manifesto das 343” por meio do periódico Le NouvelObservateur, neste manifesto assinado por Simone de Beauvoir, artistas e jornalistas afirmavam terem abortado ao menos uma vez. Esta exposição também ficou conhecida como “Manisfesto das 343 vagabundas” graças ao jornal Charlie Hebdo,que uma semana após a divulgação do manifesto publicou em sua capa "Qui a engrossé les 343 Salopes du manifeste sur l'avortement?" (Quem engravidou as 343 vagabundas do manifesto do aborto? ), uma clara ironização aos politicos da época.
O aborto era considerado crime na França e o manifesto teve o intuito de legalizá-lo como também instituir o direito a contracepção gratuita. Evidentemente houve grande repercussão a respeito, pois diversas personalidades estavam assumindo um crime publicamente. O aborto foi legalizado na França em 1974.
Atualmente crime no Brasil, o aborto está tipificado entre os artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro.Porém, não é caracterizado como crime quando praticado por médico capacitado em três situações: quando há risco de morte à mulher, causado pela gravidez; quando é resultante de um estupro; e agora, também, nos casos de feto anencéfalo, de acordo com a decisão do STF, na ADPF 54, votada em 2012.
Não temos muitas pesquisas a respeito, e as que temos são feitas com base em técnicas indiretas e por estimativa. O fato é que tal discussão se faz necessária no país, por se tratar, no mínimo, de uma questão de saúde pública. Não temos estatísticas que mensurem a quantidade de abortos, bem como de óbitos oriundos destes, mas inegavelmente não devem ser desprezados.
Nossa atual legislação tem como proposta preservar a moral familiar em detrimento da questão da dignidade da mulher. Pois, mesmo o aborto sendo criminalizado, isso não impede sua prática na clandestinidade, sendoque sua penalização se dá por influência da religião e por outros interesses lucrativos que enfatizam a perversidade da ação.
Age de forma errônea o Estado brasileiro, de maneira rasa e sem debatimento, ao definir o início da vida da maneira que vem sendo feita, uma vez que nem a ciência conseguiu fazê-lo.
O Brasil deveria partilhar da solução adotada por grande parte dos países europeus que legalizaram a realização do aborto voluntário até no primeiro trimestre da gestação, ou seja, até a 12ª semana. Estes mesmos países também criaram mecanismos extrapenais para evitar a "banalização do aborto", a exemplo do planejamento familiar, da educação sexual e de uma rede de proteção social para as mulheres.
Não tão somente a Constituição, mas também a racionalidade e uma moral humanizada necessitam indicar a urgência de reformulação das leis brasileiras no que diz respeito ao aborto.Diversas conferências internacionais, como a Conferência Mundial sobre Populações e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e a IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing, 1995), e também a decisões de organismos internacionais de solução de conflitos, vêm demonstrando a necessidade de mudança urgente na legislação para garantir a proteção integral dos direitos humanos das mulheres, pois parcela significativa dos juristas brasileiros tem ignorado a relevância dessas conferências.
A questão do aborto não recebe e nunca recebeu a devida atenção por parte dos operadores do Direito, o que compromete a capacidade desses profissionais de enfrentar com profundidade tal assunto.
Outro óbice são os setores conservadores da sociedade que impingem opiniões parciais ao conjunto de sua sociedade democrática e laica. A descriminalização do aborto não obrigará ninguém a praticar o aborto, mas que essa ação respeitará a consciência individual e os princípios elementares do ordenamento jurídico, que se tornaráuma realidade concreta. De qualquer modo, todo e qualquer avanço nas possíveis mudanças na legislação através de forças progressistas devem ser vigiadas, pois sempre haverá uma intensa luta dos setores conservadores contra a modernidade democrática que apela para as mais autoritárias práticas de desqualificação através de uma "indisfarçável tendência inquisitorial”.
Quantas mulheres já fizeram um aborto clandestino no Brasil? Algumas personalidades já assumiram publicamente o terem feito, são elas: Débora Bloch, Astrid Fontenelle, Vera Zimmerman e Luiza Brunet. É difícil assumir um crime publicamente como também é incontestável o preconceito sofrido por quem o faz.
A questão é que este assunto deve ser integralmente debatido em nossa sociedade, a lei deve estar em consonância com nossa realidade.
Pois enquanto mulheres com condição financeira elevada se dirigem até clínicas estruturadas e interrompem sua gestação de forma serena e sem causar reboliços perante a sociedade, as menos desvalidas se sujeitam a imprecisas dilacerações viscerais, sendo tratadas como um simples pedaço de carne, por legítimos açougueiros que as fazem sangrar, sofrendo verdadeira tortura, e padecendo pela segunda vez.
O que se questiona é:
Será que se os homens engravidassem o aborto seria um crime?
Quantas mulheres ainda terão que morrer para esse assunto ter o devido tratamento pelo poder público e, principalmente, pelo Poder Legislativo?
REFERÊNCIAS:
http://cdn-lejdd.ladmedia.fr/var/lejdd/storage/images/media/images/une8/10844750-1-fre-FR/Une.jpg
https://avecbeauvoir.wordpress.com/2010/10/06/direito-ao-aborto/
http://diversao.terra.com.br/gente/eu-fiz-um-aborto-10-famosas-que-revelaram-sua-historia,4f0f128a9ca0c410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
http://tempsreel.nouvelobs.com/societe/20071127.OBS7018/le-manifeste-des-343-salopes-paru-dans-le-nouvel-obs-en-1971.html