Ah... a Mídia (Regular ≠ Censurar)
A despeito do debate acerca dos papéis reguladores do Estado em relação aos mais diferentes setores, quando se discute a regulação da mídia é frequente a presença de um argumento de grande importância: o risco de que surjam situações de censura, de modo a cercear a liberdade de expressão. No entanto, não se trata de reduzir nem de coibir a liberdade, muito menos censurar, trata-se da percepção de que poucos exercem tal liberdade – basicamente em função do capital de que dispõem – e que este meio constitui um dispositivo de controle desses poucos em favor de seus próprios interesses. No que tange aos grupos de comunicação,verifica-se uma semelhança evidente: todos são empresas, pautadas por interesses próprios que se destinam à manutenção de uma ordem tão e somente com viés gerador de capital. Por essa razão, as corporações de mídia tendem a conceder escassa visibilidade aos grupos com posturas que questionam elementos da sua estrutura básica de atuação. Da mesma forma, dificultam o avanço das demandas que recaem contra os interesses de seus proprietários. Assim, os meios de comunicação de massa podem, ainda, influenciar o resultado de eleiçõespor meio da intensidade e forma como as notícias serão divulgadas, e sobre qual a sua influência sobre eleitores indecisos(como o fato de “plin-plin”, de forma desavergonhada, ter “colorido” as eleições presidenciais de 89, no Brasil). Ficaevidenciado que os referidos meios de comunicação exercem poderosa influência na determinação de quais temas são colocados como mais importantes em um dado momento para determinada sociedade. Pode-se dizer que atualmente a liberdade de expressão em muitos dos países, inclusive noBrasil, é, grosso modo, a liberdade das empresas de comunicação. Isto é, os únicos agentes em nossas sociedades que não enfrentarão impedimentos ao expor seus interesses nos horários de maior audiência são os proprietários de empresas de radiodifusão e comunicação em geral. Assim, o funcionamento dos meios de comunicação de massa, sob a pauta exclusiva dos interesses econômicos, ceifa da sociedade o acesso isonômico à informação, impede que fatos importantes sejam levados ao conhecimento público da forma mais próxima aos fatos possível, assim como inibe a compreensão do mundo e a consequente participação popular nas grandes questões e dos efeitos das decisões que afetam a sociedade. A configuração atual do controle da mídia, portanto, acarreta prejuízo à liberdade, à igualdade e à democracia, não sendo capaz de contemplar a realização de ideais democráticos capazes de formar uma sociedade justa e plural. Salienta-se que aatuação reguladora do Estado se faz necessária para reequilibrar as relações e promover o bem comum. Devendo ser, ainda, inclusiva e controladora na medida em que corrija posturas dos meios de comunicação que seafastem de parâmetros de livre circulação de informações e da amplificação participativa da sociedade. O poder midiático precisa ter um nível de comprometimento com o interesse público compatível com o que lhe atribuiu a Constituição Federal de 1988, com a consequente promoção maior real interesse social, com funções bem definidas: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei poderá conter dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII, e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade. Sendo de extrema significação o seguinte dispositivo que também faz parte da Carta Magna de 1988: Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; Contudo, tal disposição foi notoriamente desprezada nas eleições de 2014, dado que 33 dos deputados e senadores eleitos declararam ser proprietários de emissoras de Rádio ou TV. Ao todo 55 concessões estão nas mãos de parlamentares. Ademais, enfatiza-se que a regulação dos meios de comunicação não se trata de estatização dos meios de comunicação, mas de regulação de excessos e omissões graves. A falta de presença do Estado acaba por negar os princípios democráticos da igualdade e da liberdade de expressão, sucumbindo todo opoder de indução da mídia ao grupo economicamente mais forte e, em regra, numericamente reduzido, que pauta as necessidades e prioridades da vida social de acordo com suas premissas, sempre econômicas. É inegável que o direito de liberdade de imprensa demanda, ao mesmo tempo, um conjunto de deveres (ou regulações) para que os meios de comunicação de fato tenham as condições de garantir suas funções centrais nas democracias. Isso poderia ser conseguido por meio dademocratização dos direitos de transmissão por meio da desconcentração da propriedade, o fortalecimento dos meios de comunicação comunitários, a produção independente, a regionalização dos conteúdos – todos esses exemplos de ações reguladoras que contribuiriam para garantir a pluralidade e, por conseguinte, liberdade de expressão mais ampla. É necessária que a regulação da mídia seja capaz de, a um só tempo, limitar o excesso de influência meramente econômica a pautar a atuação dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que deve informar de maneira ampla e correta a sociedade. Imperioso se faza necessidade de que haja debates e, consequentemente, uma reforma quanto à conjuntura midiática atual, onde as tecnologias da informação e comunicação devam ser instrumentos e não fins em si mesmas. Com o amadurecimento das democracias, os Estados Nacionais vêm estabelecendo distintas formas de garantir mais vozes no que tange aos meios de comunicação: regulando suas propriedades, democratizando os meios já existentes ou, ainda, regulando o direito de resposta, por exemplo. Considera-se salutar o caminho trilhado na Argentina, onde aLey de Medios avança ao estatuir a criação de autoridade federal de serviços de comunicação, tal qual uma agência reguladora especializada, a qual, no entanto, está sujeita ao controle por parte dos sindicatos gerais da nação e da auditoria geral da nação. Ou seja, se, de um lado, a lei cria um mecanismo estatal de regulação; de outro, sujeita essa mesma autoridade ao controle social e institucional por autoridades públicas de órgãos de fiscalização, o que pondera e equilibra as forças, Conquanto, na França, a rédea é ainda mais curta no caso dos meios audiovisuais. O país tem uma agência reguladora independente, o Conselho Superior do Audiovisual, que aponta diretores para os canais públicos e outorga licenças para o setor privado (de 05 anos para rádio e 10 para canais de TV). Também monitora o cumprimento de obrigações pela mídia como a função educativa e a proteção aos direitos autorais, podendo aplicar multa. Dos nove conselheiros do CSA, três são indicados pelo presidente, três pelo Senado e três pela Câmara dos Deputados. O CSA tem a missão de garantir que a mídia audiovisual reflita a diversidade da cultura francesa. Ele garante, por exemplo, que as outorgas de TV e rádio sigam o pluralismo político – há rádios anarquistas, socialistas e até de extrema-direita – e que representem os grupos minoritários. Outra frente é a preservação da língua francesa. Há uma cota de músicas francesas que têm que ser transmitidas pelas rádios e, pela lei, 60% da programação de TV tem de ser europeia, sendo 40% de origem francesa. No Brasil, assim como em diversos países, emissoras de rádios e TV são concessões públicas - é como se o governo "emprestasse" às empresas o espaço para transmissão, que é um bem público. Por isso, assim como outros setores em que há concessões, são passíveis de regulação. Então, observa-se que é incontestável o debate acerca dos papéis midiático e estatalna sociedade contemporânea, pois o direito de liberdade de expressão de um não inclui o direito de aniquilar a liberdade de expressão dos outros. Ficando evidenciado que a ausência do Estado na promoção de um ambiente midiático construtivo do bem comum é trágica. De modo que o setor econômico, por si só, não se sustenta democraticamente na condição de compatibilizar o desenvolvimento econômico e comercial com os fins sociais e autênticos da comunicação social. Nesta toada, a mídia constitui elemento decisivo, em uma sociedade democrática, para que as diversas formas de ver o mundo possam ter voz e vez, assim como é decisiva para afirmar fatos e evidências que possam construir uma realidade vinculada à vivência real da maioria da população. Os meios de comunicação devem ser democratizados, com a outorga de mecanismos de difusão e de acesso à mídia às minorias e grupos sociais normalmente alijados da expressão midiática pela pouca relevância econômica que traduzem (ex. minorias étnicas, de gênero, grupos de pessoas com deficiências ou, ainda, organizações representativas dos grupos menos favorecidos em geral). Há de se compreender que o tema possui, de forma peculiar, complexidade e abrangência, devendo ocorrer mobilização da sociedade civil para quehaja a regulação necessária, e não continuemos jogando água no moinho daqueles que trabalham com a desinformação e distorção dos fatos para garantir que permaneçamos em nosso status quo, pois odireito de falar é inútil a menos que nossas vozes possam ser escutadas. #ÉseuDireitoÉseuDever